
Eu moro sozinho. Eu durmo numa rede. Sozinho. Eu ando
sozinho por aí. Também ando acompanhado. Mas nem sempre me sinto sozinho. Só às
vezes. Sozinho ou acompanhado. Eu aprendi que a solidão é algo que eu carrego
dentro de mim. Solidão não é descer a Rua Augusta sozinho de madrugada,
admirando as garotas na calçada. Solidão não é atravessar as ruas totalmente
bêbado, descer as escadas do Gruta e não encontrar ninguém pra jogar bilhar, e
ficar dando voltas em torno da mesa girando um taco imaginário. Solidão talvez
seja ouvir as bolas caindo na caçapa. Solidão não é uma casa no meio da neve.
Solidão talvez seja minha avó contando histórias de assombração. Um garoto de
doze anos chorando sozinho numa cama com saudades de casa. Solidão não é ter o
telefone desligado na sua cara. É você ouvir notícias de um país distante num
rádio velho. O que eu quero dizer é que há pilhas de romances e poemas sobre a
solidão. E você acha que eu nunca sinto medo? Eu penso em Hemingway com a
espingarda na boca e Silvia abrindo o gás. Estamos chegando perto demais? O
velho bêbado apaixonado pela garota de 23 anos e sonhando em fugir com ela pra
Las Vegas. Existe algum outro tipo mais cruel de solidão? Não estou vaticinando
meu fim. Estou sussurrando em seu ouvido um segredo. Você faz o que quiser com
ele. Pensa bem se isso também não é solidão. Saber é solidão. Não é você ser
abandonado no meio do mar. É você ter consciência num navio de bêbados. Não é
uma tempestade sobre a cruz no Gólgota. É aquela cidade onde o sol nunca se
põe. A solidão não é uma senhora de capuz parada na beira da estrada. Talvez
seja o padre vociferando no púlpito. A solidão é um show de rock and roll e a
garota gordinha modernete e cheia de opiniões e que vai voltar sozinha pra casa
enquanto sua amiga burra e linda ficou com o guitarrista da banda. Não é o
sujeito no caixão com as mãos em torno do rosário e o nariz entupido de
algodão. Isso não é solidão. A solidão é o velório que sempre foi uma piada
triste. A solidão é a passagem dos dias. A solidão não é um blues de Corey
Harris. A solidão é o carnaval. A solidão é um farol. Eu apenas me deixo guiar.
A solidão vai durar eternamente. O dia que eu sentir que não pode mais ser
assim, juro que dou um jeito nisso. Ou então como diria o último boy scout, eu
arrumo um cachorro.
(mário bortolloto)
F O D A
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